O fim da MTV, ao menos como a conhecíamos
rafael_cortez - sexta-feira, 27 de setembro de
2013
Como todo mundo aqui já sabe, ontem a MTV
Brasil fez seu último programa ao vivo. Foi um
evento que consolidou o final do canal sob
administração do grupo Abril, que devolve a
marca para a americana Viacom, após 23 anos
de uso com sede no histórico prédio da Sumaré
– o mesmo que abrigou no passado a histórica
TV Tupi, onde a essência da televisão Brasileira
se consolidou.
A partir de 01 de outubro a “nova MTV” inicia
seus trabalhos, com uma abordagem mais pop
e uma iniciativa mais eclética de programação.
Vai ser grande o trabalho da próxima
administração – popularmente, o que se fala é
do fim da MTV, e não de seu recomeço.
Entre os desafios da MTV de cara nova, estão
esses: aposenta-se a figura lendária do VJ;
entram comunicadores e artistas convidados
para o comando das novas atrações. A grade
será conferida por quem tem TV paga, e esse
cenário dos canais fechados tem suas próprias
regras e realidade – ainda que as expectativas
sejam talvez mais promissoras do que as de TV
aberta. Para que a nova empreitada alcance
êxito, há todo um plano comercial, de
audiência e mídia a ser cumprido. E, o que é
para mim o mais complicado, a nova MTV terá
de conquistar o coração dos órfãos da MTV de
1990, a que já existe na memória emotiva de
milhões de brasileiros.
Por mais excludente que a MTV antiga pudesse
ser em termos de audiência e alcance de
linguagem, era fato inconteste que ela foi
parte integrante da vida de um monte de
gente. O telespectador é aquele tipo de pessoa
que gosta de situar-se a partir do que é
transmitido – TV de domingo tem Sílvio
Santos, mulher na TV era a Hebe, Globo tem
novela, Record é popular. E MTV era o canal 25
da moçada. Tava lá, ninguém devia tascar.
Quem via, quem curtia, eram outros 500... Mas
a MTV era a opção jovem de cultura jovem,
com gente jovem e linguagem ainda mais
hormonal. Mesmo com as mudanças de
identidade, mesmo com suas novas
empreitadas, nem sempre bem-sucedidas. Ela
estava lá, e ao menos daquele jeito ela não
estará nunca mais.
Para quem nasceu no final da década de 70,
como eu, o início da MTV no Brasil foi um dos
episódios mais marcantes da adolescência.
Algumas pessoas mais sortudas tiveram filhos
cedo e a adolescência desses moleques
também foi marcada pela grade do “canal da
música”, como era chamado inicialmente. Ou
seja, em 23 anos de existência, seguramente
duas gerações foram marcadas pelo que dizia e
mostrava a Astrid, a Cuca, a Sabrina, a Marina,
a Soninha, o Gastão, o Zeca... Os VJ’s
descolados que, no fundo, todo teenager queria
ter como amigo.
Lembro muito bem do rebuliço que foi a
chegada da MTV em terras tupiniquins. Eu
tinha 13 anos, e completaria 14 cinco dias
depois da estreia do canal. Falou-se muito da
novidade na época, e eu e um monte de amigos
da escola só tratamos disso por um tempão.
Era descolado dizer que você via a MTV. Era
agregador, diferente. Havia uma série de coisas
sem sentido na programação, como aquelas
vinhetas deles que não tinham pé nem cabeça.
Mas a gente fingia que entendia, porque
ninguém queria admitir a própria ignorância.
Os VJ’s – esse nome e tipo de profissional
nasceu com a MTV – falavam com termos
jovens e eram um pouco mais velhos do que a
gente; alguns tinham cabelos bagunçados e
eram mais simpáticos, outros já chamavam
mais a atenção da turma mais velha, o que
hoje a gente chama de “Ensino Médio”. Tinha a
namoradinha secreta de praticamente todos os
meninos, a Cuca... E um cara que curtia rock e
usava umas camisetas de banda no ar, um tal
de Gastão. E haviam, logicamente, os clipes.
Muitos clipes!
Hoje toda moçada, e quem mais quiser!, pode
ver o que bem entender, quantas vezes quiser,
pelo Youtube. Mas em 1990 não era assim – era
na MTV que se conferiam os videoclipes. E
como eram legais alguns deles, que mega
novidade eram muitos deles! A gente contava
os dias para assistir na íntegra aquele vídeo
que os VJ’s prometiam durante a semana que
seria passado no dia tal, na hora X. Todos os
teens esperavam. Os mais sortudos podiam
gravar com o vídeo-cassete, mas não era a
mesma coisa que ver na hora, ao vivo, pra
valer.
Com a MTV eu solidifiquei meu amor pelo
Public Enemy. Houve um momento em que
rolavam muitos clipes dessa minha banda
predileta nos programas, e eu dava pulos de
alegria quando flagrava um. Na MTV passava o
Faith no More e o Guns, e o Guns tinha um
clipe que parecia um filme – o “November
Rain”. Meus vizinhos, o Fábio e o Neto, curtiam
o programa de rock pesado, de metal. E
balançavam a cabeça quando viam o Metallica
com suas guitarras. Tinha o cara cantando
“Informer” numa velocidade maluca, o que
deixava a Astrid intrigada toda vez que
anunciava o clipe. Todo mundo dançava com o
“Deee-Lite” cantando “Grove is in the Hearth”...
E por aí vai.
Depois o canal foi ganhando outras caras,
falando com novas linguagens. Veio mais
entretenimento, menos música, porque a
internet começou a matar a MTV. Mas ela foi
valente e original, e nos deu a Cicarelli maluca
da cabeça aos pés pondo o povo pra beijar na
boca e assustando todo mundo com extintores
de incêndio. O Mion apareceu como um
moleque subversivo que queria tocar o terror
rindo de todo mundo na frente de um chroma
key. O João Gordo falava palavrões e quase
quebrou a cara do Dado Dolabella, para deleite
de quem já achava que o playboy merecia
umas bolachas! Mais tarde vieram o Adnet, a
Calabresa, a Tatá, o Bento, os amigos do
humor... E eles detonaram! A MTV já era do
mundo, não só da música!
Mas o mundo muda todo dia, e o mundo do
entretenimento de massa é um dos piores. E
quando ele não dá resultado mais, quando não
tem mais alguém suportando bancar, eis que a
brincadeira acaba e um ciclo se fecha.
Eu lamento muito pelo fim daquela MTV. Eu
gostava demais, era fã. Marcou a minha vida, e
eu me sentia bem sabendo que aquele mundo
existia ainda, nem que fosse em homenagem
aos meu passado.
Confesso algo, ainda: eu sempre quis ser um VJ.
Sempre, sempre quis trabalhar com a cara no
vídeo na MTV. Mas quando ela começou eu não
era ninguém e não sabia como chegar junto, e
quando eu me tornei alguém eu não consegui
me juntar ao time. Sempre me diziam no
canal: quando sair do CQC, se quiser sair, vem
pra cá. Vamos te receber de portas abertas! E
no final de 2012 veio um convite mesmo, oficial,
mas eu não tive nem como ouvir a proposta
porque já tinha fechado com a Record...
Mas eu dei entrevista para a Funérea.
Apresentei uma categoria no VMB 2011. Fiz um
Comédia MTV com o Adnet e a turma toda, ao
vivo. Fui em uns 4 ou 5 VMB’s, e em todos me
diverti pra caramba, bebi pra cacete e
encontrei amigos. E minha irmã, Thais Cortez,
minha melhor amiga e sangue igual ao meu, foi
uma excelente editora do canal. Ela
representou os Cortez nesse sonho, mesmo em
outro campo de trabalho.
Na festa de encerramento ontem, do lado aqui
de casa, na sede da MTV que acaba daqui a
uns dias, vi um monte de gente se abraçando
aos prantos com o fim de uma era. Fãs,
funcionários, amigos, ex-VJ’s, pilares da casa,
gente que fez a história de lá. O Zico Góes. Que
cara é o Zico Góes!! O povo tava triste com o
fim, mas feliz com a missão cumprida. Eu me
comovi com eles e por eles, e entendo
emotivamente o que eles estão sentindo.
Por outro lado, 2 dias antes, na festa de
apresentação da Nova MTV, da Viacom, eu vi
uma chama no olho de algumas pessoas. E
havia uma certa energia no ar. O que virá
agora, com o desafio do novo?
Em homenagem ao que foi a MTV, que foi tão
foda, eu só quero desejar que a nova emissora
faça algo tão bom ou ainda melhor do que a
antiga – por ela, por seus fãs, por quem
sonhou junto, por quem deu o sangue, e até
por quem queria ter feito parte mesmo e não
fez, como eu.
Valeu MTV da minha adolescência! Boa sorte,
nova MTV. Quem sabe um dia eu não me una a
vocês, finalmente?